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Um certo João

Um certo joão destaque

Vurrrummmm. Desce. Vurrrrummmmm. Bom dia. Qual o andar? Vurrrummmmm. Sobe. Vurrrummm. Boa tarde. Qual o andar? Vurrrummmm. Desce. Vurrrummmm. Boa noite. Qual o andar?

Aquele barulho maçante da porta do elevador, o entra e sai de hóspedes e o constante imutável diálogo enchiam o saco e deixavam o pobre João Paulo puto e mal-humorado, sempre.

“Empreguinho de merda! Salário mínimo!”, martelava em sua cabeça, com frequência e aquela reincidência diária lhe reservava um futuro, onde a esperança era um ponto negro ao final do túnel, estreito de quatro metros quadrados do veículo, que pilotava sentado num tosco banquinho, em frente à parede cheia de números luminosos. Sim, era motorneiro de elevador, trabalho que conseguira graças a duras penas, numa campanha eleitoral, quando mendigou votos para um vereador sem talento, apadrinhado do prefeito eleito. Antes da campanha havia o compromisso de emprego de motorista na “Câmara Municipal” e recebera o de motorista de veículo estático, sem rodas, que apenas subia e descia, entre duas paredes. Promessa de antes de eleição.

Um certo joão

João Paulo era um cara que os amigos diziam ser um homem de sorte. De família humilde e sem tradição trabalhava num enorme hotel de luxo, antigo, já há alguns anos, no ofício de ascensorista, sem nenhuma perspectiva de ascender na profissão. Aquele exíguo ofício não lhe dava nenhuma margem de carreira profissional, de vez que na sua minúscula sala de trabalho não cabiam chefe nem subalterno. Vidinha besta!

Quando João Paulo, de manhãzinha, ainda sonolento, sem esperança, deixava a sua modesta casa de cinquenta metros quadrados, conquistada, a duras penas, por um plano de governo, muitas vezes pensava com os botões dourados, daquele uniforme cafona, verde, com ridículos galardões no ombro, que ficaria confinado o dia inteiro, dentro de um acanhado compartimento de madeira. No entanto, em desigual, adverso de sua humilde condição, deixaria de fora gente feliz num frenesi festivo, sem conhecer o seu afã. Era a mais áspera, dura e insana realidade reconhecer, fora de seu mundinho apertado, os amplos espaços para andar, correr, se confraternizar, sem pensar nos apertos da vida do pobre. Além do mais, suportar as implicâncias de um gerente, sempre no seu pé, por razões políticas.

E, ainda por cima, no minguado final de semana, — tinha folga duas vezes por mês — ainda era obrigado a escutar, no boteco da esquina, os amigos lhe dizerem, que ele fora um homem afortunado ao conviver no trabalho com as pessoas do mais refinado trato e glamour da sociedade; espelha-se políticos, empresários, artistas, um mundo de gente importante! Era, por demais, humilhante, aquela visão inadequada dos convivas de copo e prosa, do “Copo Sujo”, onde se embriagava, para esquecer as mazelas do viver.

Mas a vida lhe reservou um dia de furiosa, cruel e derradeira vingança, por aquela torpe existência de submissa servidão. Foi numa manhã de agosto, quando o céu azul escondera por detrás de uma cortina de nimbostratus, especialmente decorado para uma cena nefasta.

Um certo joão

Afeito ao cotidiano do hotel, sem muito movimento de manhãzinha, notou que haviam vários carros incomuns em frente ao edifício, principalmente, duas viaturas, policial e ambulância. Conspirava algo inusitado naquele cenário, com gente apressada e apreensiva.

Ao invés de se dirigir ao departamento de pessoal, para o devido registro do cartão de pontos, entrou na recepção e se surpreendeu com muita gente defronte aquele elevador, do qual sua vida era refém. Com cautela se aproximou, quando soube que naquela madrugada o elevador havia despencado no fosso, com o gerente do hotel no seu interior, quando cuidava dos preparativos, para receber o governador do estado. Apesar do acidente não ter sido fatal, o gerente quebrou as pernas e fraturou algumas costelas.

João Paulo deixou aquele ambiente de inquietação, foi até ao vestiário se despiu de seu jaleco, piroso, verde; retirou do escaninho uma camisa guardada, para alguma eventualidade. Assim, passou por um amplo corredor, pegou um copo de plástico e o encheu até a borda com água gelada do bebedouro e se dirigiu até ao salão de inverno. Assentou-se numa confortável cadeira de vime, esticou os pés e os acomodou no parapeito da ampla janela, que vislumbrava uma belíssima lagoa – sorveu um saboroso gole de água e começou a gargalhar, com a sua agradável e solitária companhia, como se assistisse à uma saudosa comédia do “Oscarito e Grande Otelo”. Enfo!

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