O emprego novo conduziu Orlando a passar por aquela rua sombreada por sibipirunas, moradas de sabiás, bem-te-vis e rolinhas. E, foi assim que ele viu, pela primeira vez, aquela moça na janela de uma casa, estilo italiano, sem beiral e geminada à rua, na outra calçada.
O rapaz subia a via apressado, naquela manhã, para chegar mais cedo ao primeiro dia do emprego de escriturário, no maior escritório de contabilidade da cidade.
Era uma cidadela do interior de Minas, de trinta e poucos mil habitantes, onde quase todo mundo se conhecia, num tempo em que o uso do paletó e gravata era, por demais necessários, principalmente, no trabalho em escritório. Corria o ano de 1947.
Ainda jovem, com dezesseis anos completos, deixara o emprego de entregador de embrulhos, em uma loja de comércio, para este, mais intelectualizado e condizente com sua completa formação ginasial e já no primeiro ano de contabilidade.
Apesar de conhecer a grande maioria dos jovens do lugar, ele jamais encontrara aquela moça, onde a juventude se confraternizava. Clubes e ademais.
A mocinha deveria ter no máximo a sua idade e era bela. Magra, muito pálida, de olhos azuis profundos e tristes, cabelos castanhos claros que declinavam, em desalinho, pelos ombros.
Como se estivesse com os olhos imantados naquela figura distante e fria, qual mármore, Orlando quase tropeçou para não perder de vista aquele olhar enigmático, como o infinito celeste. Ela também acompanhou o caminhar apressado do rapaz, que desapareceu na esquina. Antes, de soslaio, retornou a cabeça e, sobre o ombro, deixou-lhe, num afago, o derradeiro encontro de olhos. Seguiu destino.
Assim, por vários dias, Orlando refez aquele ritual, sem coragem de se aproximar dela. Era tímido pelo natural da idade, além de advir de família simples sem a empáfia e o arroubo dos poderosos. E foi desta maneira, que Orlando refazia a sua caminhada para o trabalho, sempre com aquele colírio, pela manhã. Interessante, era que, quando Orlando passava em frente aquela casa no horário do almoço ou à tardezinha, ao deixar o trabalho, encontrava sempre a janela fechada. Passaram-se várias semanas e o rapaz buscava, cada vez mais, se dar àquela paixão, sem coragem de abordar a jovem, com receio de uma negativa, um senão comum de jovem pudica.
Era como um sonho lindo a ser colimado! Orlando, à noite, em silêncio, volvia seu pensamento para aquela janela, que emoldurava a sua prometida, e dava asas à imaginação. Materializava o pensamento de mãos dadas com ela, ora no cinema, ou dançando uma valsa ou mesmo à espera no altar, admirando-a toda de branco com flores nos cabelos, caminhando ao seu encontro. Guardava para si, sem dividir com ninguém, aquele recato de paixão.
Nos últimos dias a moça se ausentou algumas vezes da soleira da vivenda, o que deixou o rapaz apreensivo e afeito à curiosidade. Quando ela retornava estava ainda mais com aquele olhar enigmático, apesar de um azul luminoso – sombrio e distante.
Por contingência do trabalho, Orlando fez uma viagem de uma semana para a capital, no intento de se atualizar com as novas leis trabalhistas e reciclar seus conhecimentos. Foram dias intermináveis, para o jovem já tão afeiçoado àquela moça, que uma manhã sem vê-la tornava-o melancólico e sem razão.
Finalmente, Orlando entrou no ônibus que o levaria de volta à sua cidade. Durante a viagem maquinou uma maneira de se achegar até ela. Depois de muito matutar chegou a um desfecho, com perfeição. Antes de passar pela rua, passaria em uma flora e compraria uma rosa vermelha, símbolo do amor e da paixão, e lhe entregaria. Antes da oferta, debaixo da janela, olhos nos olhos, daria um terno beijo na flor. E, assim, buscou fazer.
No outro dia, pela manhã, depois da flora, Orlando subiu a rua com o coração a pulsar em frenesi, com a flor a lhe enfeitar a mão; entretanto, o seu propósito a tanto acalentado, caiu por terra; para a sua decepção a janela estava fechada. O rapaz pensou em deixar a rosa na soleira, mas estragaria a cena romântica, premeditada. Retornou na hora do almoço e ao final da tarde. Porém a janela continuava fechada. Assim, assim, sucessivamente, durante toda a semana a janela não se abria e as rosas murchavam, sem a intensão consumada.
Na segunda-feira o rapaz tomou coragem e bateu à porta da casa. Ao abrir, uma senhora com os cabelos grisalhos lhe atendeu. Com educação e reverência o rapaz expos à mulher a sua preocupação. Gentilmente, aquela senhora convidou-o a entrar e se sentaram na sala. Com os olhos umedecidos e a voz trêmula, ela passou a lhe contar a sua história:
– Minha filha, Violeta, nasceu com uma doença congênita que lhe roubava as defesas do organismo. Cresceu, longe das ruas e do convívio com as crianças, porque qualquer gripe ou mesmo um simples resfriado, poderia lhe ser fatal. A doença não tinha cura. Para que ela pudesse viver um pouquinho, há alguns meses, permitimos que ela participasse da rua, através de sua janela. E, foi o que a levou para o céu. Há três semanas ela contraiu uma gripe que se transformou em uma pneumonia incurável. Ela, infelizmente, não resistiu.
Desapontado, envolto em melancolia, após uma xicara de café, entregou a rosa para a senhora, se despediu, após se certificar do local do túmulo de Violeta.
Naquele dia ele não iria para o trabalho; passou na flora, comprou ao invés da rosa, uma violeta e com o coração em prantos foi até ao cemitério se despedir daquela de quem nunca havia, sequer, ouvido a voz.