Crônica – Desigualdades
Chove. A noite sombria e gelada ao invés de embalar, me rouba o sono. Eu, debaixo do edredom macio, no aconchego do calor de meu quarto escuro, passo a cismar. Um vento frio que advém de fora, vaza a fresta da janela de onde adentra uma réstia de um poste vizinho. Apesar da comodidade de meu leito, não consigo conciliar-me com Morfeu. Vem-me à memória a criança imunda nos braços da mãe, chorando debaixo de um viaduto. Chorava de fome. Agora, talvez, chore também de frio.
Povoa a minha mente um poema de Castro Alves.
“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes, embuçado nos céus?”. Sinto um frio profundo no estomago e uma vazio mórbido no coração. Depois, repensando, medito: Deus não tem nada a ver com a frigidez dos homens. É, Castro Alves, desculpe a minha ousadia em questionar o grande poeta dos escravos, porém Deus não tem nada a haver com a sede, a fome ou o frio dos desvalidos. O homem é que é um animal desumano e cruel. Será que, realmente, foi criado à imagem de Deus? Volto a questionar o poeta dos escravos.
Recordo-me que havia dado uma esmola à mãe da criança do viaduto. Uma vil moeda que me sobrara no bolso, talvez de um troco por um gasto supérfluo. Uma mísera moeda que se não fosse os mendigos ela, quem sabe, estaria até agora esquecida no escuro do bolso. Outrossim, ainda possa ter saciado um pouco a fome da criança, ou da mãe. Mas com uma simples moeda? Não, eles continuaram com fome. Apenas me senti altruísta por ter feita a caridade. A bem da verdade, quem saiu ganhando fui eu. Eles continuaram miseráveis. E com fome. E, agora com frio. E, eu um bom samaritano.
Quisera me levantar e sair na chuva, para levar um cobertor àquela família. Mas o que vai adiantar? Volto a questionar. Eles precisam é de justiça social, não de uma moeda ou um de cobertor. Alguns governantes distribuem cesta básica, para aqueles que precisam de emprego ou de trabalho. Como bem disse Zé Dantas, na musica de Luiz Gonzaga “a esmola ou enche de vergonha ou vicia o cidadão…”. Assim, tento me reconciliar com o sono. Mas qual, meus olhos continuam acessos e a mente fervilhando.
Esmola é a falta de vergonha de um país corrupto e desonesto. Muitos julgam que com ele – o óbolo – compram passagem divina no trem de luz e abrem as portas do céu. Mas sei lá, esses são arraigados por demais pelos bens materiais. No meu modesto julgamento os bens materiais não compram os espirituais. Os bens materiais são necessários aqui, nesta vida, porém para todos.
Estamos em ano de eleição. Está aí um bom momento para nós, eleitores, promovermos uma justiça social, começando-se de cima. Dos políticos que vão nos governar. Eu, pelo menos, de agora em diante, prefiro anular meu voto, a votar em político corrupto. Depois desta decisão, acho que vou conseguir conciliar-me com o sono e sonhar com um futuro, onde viaduto é uma passagem e não uma morada.
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Sensacional!