Caso – Histórias de meu Pai
De certa feita, contou-me meu pai uma história, em conversa miúda de pé de ouvido, há quanto que o tempo devorou nas malhas dos anos, pois nem mais guardei quando, ao certo, tudo aconteceu. Só não me foge à memória que, então, garoto, ouvia do meu velho, relatos acontecidos nas suas jornadas no lombo de mula, de pareia com o amigo e sócio Dário Rios, nos grotões das Minas Gerais, pelas bandas do Alto Paranaíba. Os dois, compadres e camaradas, negociavam compra e venda de gado e animais de sela, desde bezerros a garrotes, potros e burricos, para o sustento das famílias.
Meu velho, que na época era moço, com seus vividos quarenta e poucos anos – eu, menino, já o tinha como idoso – havia retornado à Araxá, após algum tempo de morada em Formiga, “terra das areias brancas”. Naquelas paragens, Seu França fora próspero comerciante de loja de artigos variados, desde aviamentos, tecidos, calçados, brinquedos até chapéus e adereços de vaidades de mulher, para se embonecar e se destacar das demais.
Corria os primórdios dos anos cinquenta, do século próximo passado, sem certeza de data, e meu pai estava aprumado de finanças pela venda de sua loja e demais bens, em Formiga. Em Araxá, de princípio, pretendia comprar umas terras e se estabelecer como fazendeiro. Em conversa com o pecuarista José Guimarães ouviu a sugestão da catira de gado, para aumento de capital, negócio bom, na época. Já o compadre Dário, como o chamava meu progenitor, casado de novo, precisava também se estabelecer na vida e por intermédio e apresentado pelo sogro José Guimarães se associou ao meu velho, no modo de vida de compra e venda de animal e gado.
De madrugadinha ainda, arribavam os dois de em frente a nossa vivenda, não antes do café com biscoito e bolo de fubá da minha mãezinha, num tropel manso dos animais; mulas com as orelhas baloiçando, em meneios, no compasso de trote cadenciado. Dário, depois de largar o lar, em cada madrugada, passava em constante na minha casa, para se encontrar com o sócio e assim pegar estrada.
A lua, já no ocaso, pirracenta, insistia em não se apartar da noite, com bruma de escuridão, espalhando friagem, que montada no dorso de vento manso, entranhava na gente até aos ossos. Somente capote, bota bombacha, calça de brim caqui, cobertos pela capa cavaleira “Ideal”, davam trégua à frialdade.
Nestas andanças, que no ensejo durava dias, quiçá semanas, os companheiros tomavam pouso nas fazendas, que margeavam seus caminhos e lhes forneciam a matéria prima, fundamento daquela ocupação. Chegavam, às vezes, de tardinha, depois de outros negócios durante o decorrer do dia, para a janta e o merecido repouso, com o corpo doído, queixoso por cama com colchão de palha e coberta de lã. De manhã, repassavam o gado, recolhido de véspera no curral e apartavam o que era de interesse. Dias passados, retornavam do final da viagem, para levar, a passos lentos, as boiadas, que em Araxá já tinham destinos acertados.
Numa destas paragens, naqueles rincões, pousaram em uma fazenda de antigo conhecido, que por viver isolado na lida da roça, carecia de conversa, para assuntar as novidades da cidade, onde aparecia de vez em quando, para fazer compras, com a patroa. E, depois da boia, o quilo era completado com prosa comprida, fora de hora, de certo que os visitantes queriam mesmo era espichar na cama e descansar o cangote no travesseiro, quase desfalecidos, pelo cansaço.
Portanto, quando lá chegaram, ao cair da tarde, tiveram a grata surpresa de saber, pela dona da casa, que o marido havia ido conferir uns serviços de “bateção de pasto” e que retornaria só mais tarde. Aceitaram de bom grado a janta da hora, mormente e, após um banho esperto de bacia, para, sem perda de tempo, caçar uma cama, antes da prosa maçante do fazendeiro. E, assim o fizeram.
Depois de se ajeitarem nas camas, debaixo de cobertas acolhedoras, ouviram um ranger de porteira, seguido de tropel de passo de animal no cascalho do curral, geminado com o quarto. Meu pai balbuciou um “hummm”, sentido e contrariado. A seguir completou “estamos fritos, Dário, é o Zé”!
Após alguns minutos, tempo suficiente para desarrear e jogar uma água no lombo de sua montaria, ouviu-se o ringir da porta da sala, de parede com o quarto. Num átimo, Dário falou, em sussurro, para meu pai: