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O Celibatário

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 Conto – O Celibatário

José Aparecido, o Zeca da viola, era um caboclo roliço, esperto consoante lagartixa de parede, astuto tal qual raposa vermelha, liso que nem piso encerado, escorregadio no modo de bagre ensaboado, incapaz de ser domesticado. Era um ermitão insociável com moça casadoira. Casar nem pensar. “Vida boa é de solteiro, num ter que dar satisfação pra nenhuma muié, que bota bridão nos homens bobos”, sempre matutava nas ideias e comentava com os amigos mais próximos.

A sua vidinha mansa, pacata, tranquila e despreocupada se resumia em se levantar com os galos, trabalhar na sua pequena propriedade rural, comer, beber e dormir com as galinhas. A única companheira era a sua viola de pinho de riga, que ele debulhava as cordas ao cair do sol, sentado num banquinho defronte a sua vivenda de duas águas e sete cômodos, de adobe, rebocada com terra e estrume de gado e caiada de cal e corante, pó xadrez, amarelo cálido. As portas ele fez questão de caprichar, num azul turquesa, tinta a óleo, comprada no lugarejo de São Tomé, que avizinhava de suas terrinhas. Era uma cidadezinha de umas duas mil gentes. Custou o olho da cara, mas ele não fez economia. Terrinhas mesmo, a pois poucas, uns oito alqueires, recebido por herança paterna, de vez que eram doze irmãos, quando o finado foi se encontrar com a 17 esposa, Sá Lindalva, que já partira bem em antes, se arribando, ao deixar o velho viúvo. Mas, porém, naquele pedacinho de terra, Zeca tirava o seu sustento e ainda sobravam uns cobres até pra encher capanga. Criava umas vinte vacas leiteiras, gir, engordava capado, sortira o quintal de galinha poedeira; plantava milho, feijão, mandioca, abobrinha, cana e ainda um pomar com frutas da roça, porém todas coroadas com esterco do curral. Apesar de modesto era próspero e trabalhador. Além, mesmo, sem ter um palavreado de mestre, não era um caipira qualquer. Possuía até um camarada, empregado fixo que lhe servia na lida. Estudara até o meado do ginasial em uma cidade há algumas léguas de São Tomé, de quase trinta mil almas, que ele visitava, de quando em quando, para engordar a sua conta bancária.

Agora, uma cervejinha gelada, entremeada com pinga de barril, no povoado, aos domingos, isto ele sempre apreciou e tomou gosto. Em principal, quando era acompanhada com um torresminho molhado, mandioquinha macia de desmanchar na boca, que nem sorvete de creme.

Tomava a viola e assentava a companheira no peito, tangia as dez cordas e fazia a bicha cantar ao nível de cabecinha de fogo, quando quer tomar a atenção da companheira. Daí, na roda da mesa do bar do Divino, sentavam alguns companheiros e mais a miúde o Alvo e o Zequinha, de primeira e segunda, numa toada boa de cantar e de se ouvir. Às vezes saía até uma terça, quando o Divino deixava o detrás do balcão e mesmo de avental branco, de pareia com Alvo de primeira, subia o tom que nem trinado de pintassilgo. De lá, Zeca só saía zonzo e inchado de pinga, que nem cabaça d’agua. Sem em antes forrar o bucho com o tropeiro, arroz, ovo frito e carne esquecida na banha que o Divino servia aos domingos. E tome pimenta do bode.

Pois é, assim era o Zeca. Solteirão de carteirinha. No entanto, mulher quando cisma de amarrar um caboclo é igual laço de couro cru de três tentos, amarrado no mourão do curral, nas aspas de vaca zebu, de cria nova. Mesmo que a vaca tussa, bufa e entesta, não arreda; o camarada esgota o ubre, na confiança. Mulher é igual ao tinhoso, que cutuca a fé até de padre. Quando a mulher quer um trem, nem reza brava demove. E, assim, deveras era a Maria Rosa, afilhada dos pais de Zeca, moça boa de família, prendada, bordadeira, cozinheira de mão cheia, os quere bens da finada Sá Lindalva, que se “encantou” sem ter o gosto de tê-la como nora, de aliança e papel de cartório. Quem mandou ela ter um filho arisco.

A moça, já meio passada de hora, com os seus vinte e muitos anos, desde mocinha tinha inclinação pelo José Aparecido, que ela chamava de Zequinha. Maria Rosa era até letrada, professora do lugar, morena cor de jambo, dos cabelos negros qual pena de passo preto, que se debruçavam aos ombros em desalinho, olhos brilhantes e amendoados, corpo sinuoso e andar de corça em relva macia.

Maria Rosa já havia recebido inúmeras juras de amor, e até serenata pelos varões daquele lugar, visto que advinha de família de linhagem, seu pai fora até prefeito de São Tomé; some-se ser uma bela moça e ainda donzela – no seu  intento, resguardava-se para seu Zequinha.

A jovem, caçula, morava com os pais, já velhos, de vez que seus seis irmãos eram casados e não residiam com eles; alguns até em outras cercanias. Sempre que, aos finais de semana, havia algum bailinho na corrutela, a jovem, quando em casa chegava os pais já haviam se recolhido. E foi numa desta, dissimulada noite, que Maria Rosa armou para o seu Zequinha.

Zeca, apesar de celibatário convicto, nutria muita admiração, ou, quase paixão, por Maria Rosa, fundado nos laços de amizades familiares. Entretanto, avesso às alianças.

Comumente, nestas festas, Maria Rosa lhe assediava, sempre na busca de sua companhia, que Zeca não tinha como evitar. Como o rapaz era chegado num golo mais avultado, naquela noite, Zeca bebeu a consciência. E cedeu-se aos encantos da donzela. Como uma pantera que arrasta a presa moribunda para a copa da árvore, Maria Rosa levou, entre beijos e abraços, o amado, bêbado, para sua casa. Da casa ao quarto foi um pulo. Deitou-o na sua cama, ajudou-o a se despir, deixando-o apenas com as roupas mais íntimas e, por conseguinte, desnuda, se aconchegou a ele.

Pela manhã, ao se despertar naquela alcova, apesar de não ter havido os finalmente, o seu celibatário ruiu-se por terra. Para sempre!

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