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Crônica – Velhos Carnavais de salão

Crônica carnaval - blog Tarcisio Cardoso

Crônica – Velhos Carnavais de salão

Quem não se lembra dos “Carnavais de Salão”? Aqui mesmo, em Araxá, no Grande Hotel do Barreiro? É, se chamava “Grande Hotel do Barreiro”. Quem o viveu e jamais viverá, saberá muito bem contar! Que o digam as gerações das décadas de sessenta, para trás. Gente que, realmente, viveu a plenitude das alegrias de Momo, em um salão nobre, qual Versailles! Como uma fantasia de contos de fadas, a emoção e a folia, no bom sentido, eram contagiantes!

Para começo de conversa, antes do “taram, taram, taram, tam, tam…”, de Lamartine Babo, os foliões se espalhavam pelo hotel, transvertidos de pierrôs, colombinas e arlequins no “scoth bar”, no Salão de Inverno, ou até mesmo no hall de entrada, para bebericar, se confraternizar ou jogar “conversa fora”. Depois das 23 horas começava o verdadeiro “Carnaval de Salão”.

O cheiro de lança perfume, misturado ao suor, inebriava a nossa mente e nos deixava à mercê do êxtase, sem pensar em nada, além da ânsia de ser feliz. Naquele ambiente não se percebia o tempo passar, que decorria num átimo; nem a temperatura, que apesar de ardente, ninguém sentia calor ou frio, não havia dor, nem mesmo os compromissos deixados para o depois – o clima era de euforia, alegria, prazer, romance e felicidade!

No salão quase tudo era permitido, dentro da legalidade e do prazer fortuito; cheirar lança perfume, para dar aquele clique na realidade, fazia-se às escondidas. Aquela moça recatada e tímida, no dia a dia, se desabrochava como um botão branco, que se abre em uma rosa vermelha; o rosto do recato, encoberto pela máscara do carnaval. Uma metamorfose no modo de ser e viver.

Serpentinas cruzavam o ar, acima de nossas cabeças; um emaranhado de fitas de papel, como uma teia de aranha gigante; as tiras coloridas se arrebentavam ao contato com os foliões e se entrelaçavam ao cair no chão, pisoteadas pela turba. Confetes eram “pedacinhos coloridos de saudade”, como bem definiu David Nasser, na música de Jota Júnior, na bela voz de Francisco Alves, o “Chico Viola”, “Rei da Voz”! Aqueles “pedacinhos de saudades”, quando arremessados ao ar, acima da pista de dança, desciam quase em câmera lenta e coloriam, ainda mais, os corpos suados das colombinas, em trajes lacônicos de duas peças com adereços; efígies bailando num frenesi de braços alados com seus arlequins, apaixonados – os pierrôs de olhos nelas, como na comédia italiana! Noite dos mascarados, como bem definiu a música popular de Chico Buarque!

Lança perfume “Rodouro”, em embalagem de metal dourado, estava sempre à mão, para perfumar as donzelas, que passavam à nossa frente. As bebidas, quase sempre, eram whisky com gelo, cuba libre, gim tônica, hi-fi, a tradicional cervejinha “véu de noiva”, água e refrigerante.

A música e o retumbar do bumbo, entravam em nossas cabeças, como posseiros, traduzidos em marchinhas alegres e insinuantes, frevos estimulando os corpos numa ginga compassada e, de vez em quando, uma marcha rancho, para amainar os ânimos, dar descanso à folia e pausa aos amantes, para um beijo apaixonado de salão!

Noite a dentro, as moças com fantasias de odaliscas, em véus multicores, deixavam à mostra parte do corpo escultural, qual imagem esculpida em mármore, de Carrara, por Michelangelo; subiam nas mesas e dançavam, se exibindo, com volúpia, charme e beleza, como se estivessem em um carro alegórico! Uma imagem, que depois de tantos anos, reveladas em fotos ao perpetuar a sedução, emociona os corações saudosos e apaixonados!

Quantos amores revelados; antes emudecidos pela timidez, incapaz de, naturalmente, se declarar com paixão e afeto! Em galanteios, naquele clima de euforia, deixavam aflorar o amor, num encanto, que se consumava, após o carnaval e se perpetuava em um compromisso, abençoado na igreja! Quantas famílias se principiaram, numa noite de carnaval de salão!

O clima de festa revestia de cores o salão, ornamentado com adereços de carnaval, com motivos e máscaras gigantes nas paredes; um palco com uma orquestra à caráter e vários garçons circulando entre as mesas. Ao fundo do salão, um bar no corredor, com bebidas e muitos tira-gostos.

Vários jovens se reuniam em blocos carnavalescos, enfeitados com os mesmos motivos, a exemplo de fantasias havaianas, marinheiros, piratas, palhaços, arlequins, colombinas e muito mais! Ao final dos quatro dias de Momo, acontecia a premiação dos foliões e blocos mais originais e criativos, dos casais mais animados, revelados, entre aplausos, em grande cena!

Ao lado do grande salão, no escurinho da boate, nobre, com paredes revestidas de carvalho, os casais apaixonados se recolhiam entre braços, em dançante colado, para um momento mais íntimo, porém respeitoso, numa declaração de amor!

Some-se a tudo isto, um salão dourado maravilhoso, no cerne de um majestoso hotel neoclássico, estilo mansões. O grande espetáculo acontecia em um ambiente de mais de dez metros de pé direito, colunas romanas entre às paredes, com adereços rococó de gesso, lustres suntuosos de cristais da Boêmia, janelas altas em paredes largas, capazes de acomodar alguns casais de foliões, em suas soleiras! Finalmente, numa estância hidromineral cercada de montanhas, no âmago da cratera de vulcão extinto, onde a natureza pintava de verde, do musgo aos tons pasteis, com flores enfeitando árvores nobres. A lua desnuda de nuvens, se mostrava aos olhos de casais, que buscavam o frescor do sereno.

Ao final da festa, às escondidas, alguns jovens se refrescavam na piscina de água corrente do parque, para o deleite do corpo ressentido!

A alegria, hoje, resume-se a um camarote ou arquibancada, à uma avenida para ver o carnaval passar. E, mesmo os foliões, na pista, sambam apenas cinquenta minutos, para acontecer outra escola de samba; ou acompanha um trio elétrico, na rua, ao som de axé, pagode ou até rock’n roll, uma lástima!

Inexistia a nudez explicita de agora, que não mais excita os olhos, de tão comum, natural e vulgar! No antigamente, a foliã se fantasiava, com pudor e respeito, mesmo se de odalisca.

Nunca mais o carnaval foi romântico, como o de salão! A poesia, as marchinhas maliciosas, os pierrôs, as colombinas, as odaliscas, os piratas e marinheiros, o cheiro de lança perfume, os confetes e serpentinas, se esvaíram no tempo, nos restando somente a saudade!

Dedicada à minha esposa Celma, apaixonada pelo “Carnaval de Salão”, de outrora.

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