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Um dedo de prosa

Um dedo de prosa - "Caipira picando fumo" de Almeida Junior

Um dedo de prosa

Dois sertanejos conversando na varanda da fazenda, um deitado na rede e o outro, em um banco de ripas, picando fumo.

– É cumpadre, as água desse ano promete. Vamo tê muita chuva, pasto bão, boi gordo e lavôra graúda.

– Pra mim, o que Deus mandá é bem-vindo. A gente num pode é desanimá. A esperança é a úrtima que morre. Cê alembra da seca do ano passado? O Nonô emburrou e não prantô esse ano. Num vai coiê nada, vai gastá, um mundo véio cum ração, e por pouco a vaca num vai pro brejo.

– Tem sentido cumpadre! E, já que disgraça vem sempre acumpanhada, o Nonô cumeçô a gastá o que num tem. Num sai das catita, já tá até cum muié por conta. Vai dá cum os burro n´água.

–  Adivéra, cumpadre… E, por falá nisso, o Tonho da Divina, que deu de ir pro povoado no sábado, sozinho e Deus. A Divina anda uma onça de braba!

– Cavalo chucro num pega marcha, compadre! O Tonho é mal incrinado dês de garrotinho.

– A Divina num cansa de impricar. Tá uma caninana! Fala, fala e o danado do Tonho continua chegano em casa, vesprando o nascê do dia de domingo.

– Num adianta falá. É conversa prá boi dormí. O Tonho tá pisano na bola, sujano o prato que cumeu, cumpadre.

– Mas no fundo, cá no fundo, o Tonho num tá de todo errado! A Divina anda uma coruja de feia. Tá mais enrugada que maracujá maduro; muié tem que se cuidá. E num adianta pintá a cara. Baton e pó de arroiz num faiz milagre. Tem que esmagrecer dereito, num é tomá remédio e encurujá.

– Bananêra que já deu cacho, cumpadre, nem reza braba arresorlve.

– Agora, por falá em caboclo safado, o Deputado Zeca Sabido já mandô um recado pra nóis pegá no chifre do boi e arrumá mais voto prele, esse ano.

– É cumpadre, dessa veiz, eu tô vazano na braquiara. Pra tirar a vaca do brejo ele chama nóis, mas na hora de bebê leite, ele esquece da gente e chama os outro.

– Aqui, no Brejo Seco, vem munto desses político, que o povo chama de pára-quedista. Só aparece na hora das eleição.

– É, e o Zeca Sabido num perde por esperá. Esse ano nóis vamo dá o troco.

– Na capitar, ele fala que o Brejo Seco é onde o Judas perdeu a bota.

– Aqui, pode até sê o Cafundó do Judas, mas uns voto a mais decide eleição. Nóis tem que pará de sê bobo e arrumá um candidato na região e fechá cuêle.

– Mudando o rumo da prosa, o Nhô Chico tá perrengano, cumpadre. Só nesse ano, ele quase abutoou o paletó trêis vêiz. Cada hora é uma pereba deferente.

– É, mas o Nhô Chico é mais véio, que a serra! Tá um ganzepe de fraco!

– Tá certo, num demora ele vai tá num pijama de madêra. Ele num apruma mais…

– Num advéra? Tem tudo a vê, mais a morte num escóie idade. As vêis o Nhô Chico vai até levá nóis premero.

– Por falá em véio, num sei se ôce sabe, mas ês tá falano, que a Fulô anda metendo uma gaiada na cabeça do Sô Lico.

– Tamém pudera, enviuvou da cumadre Maria e logo embengou pra riba da Fulô, nova, cabrita e fogosa.

– Véio, cê num sabe, só muié nova dá jeito! Mas tem que sê moça de famía, pruquê sirigaita só pensa na gaita da gente.

– Mas será memo devéras, cumpadre?

– Sei não, mas todo buato tem um fundo de verdade.

– É, adonde tem fumaça, havéra de tê fogo. O povo ômenta, mas num inventa.

– Tá certo!!! A Fulô, num é de hoje que tá na boca do povo. Nunca foi frô que se chêra!

– Mudando de pau prá cavaco, ônte eu fui visitá o Zé Marruco. Dêis do casamento com a Tereza, eu num aparecí na casa dês. Já tem uns cinco ano. Num te conto nada, ês tem um menino, um tar de Fravinho, que é um demônio vestido de gente! Num dá sussego! Ficô pulano no meu colo iguar macaco. Ele enriba di mim e os pais achano graça, só falano: “óia cumé que o Fravinho gosta do Izé!”. Banei prêle! Num levô nem meia hora, aprumei e rapei de lá. Num esperei nem a Sá Tereza cuá o café.

– Da moda do outro, cumpadre, menino é igual peido, só o dono aguenta, eh, eh, eh, eh…

– Por falá em menino, a Luzia, do Lorenço, desprenhou. Teve um fío. Diz que é feio igual mico estrela. Parece fiote de cruiz credo.

– Tem tudo a vê, os pai tomem, são um casar de cruiz credo. Fio de coruja, coruja é. “O pinto já sai do ovo com a pinta que o galo tem”.

– Por falá em fio, e sua fia Marvinda já contratou casório com o Cacá, do Juquita?

– Inda não cumpadre, mas nóis faiz gosto nesse casório! O Cacá é moço bão, trabaiadô, num enjeita nem cabo de enxada.

– É verdade… Cumpadre, ês fala que comida num cumbina com leitura. Num há de vê que o Mané Vigilato foi lê jorná, adispois de armoçá, sem fazê o quilo, começô com uma tontura e foi pará no hospitar. Quase bateu as bota!

– É, o povo antigo sempre fala: comeu, garrô lê, morreu. E num havéra que tem sentido, cumpadre?

– Mas o Mané Vigilato num lia nada, era contra leitura. Falava, que livro num era coisa de ôme. Frequentô uns tempo o Mobral, aprendeu a lê e agora véve cum livro no subaco.

–  Iguar a égua do Miquita, se puxa pára, se toca dispara.

– Tem sentido… Cumpadre, cê viu a negociata do Evelino com o Romão? O Evelino ficô rondano… rodano… a caminhonete dele, botano defeito, falano que ela tava ruim de motô, que num demorava prela arriá, até comprá ela baratinho. Passô a perna nele!

– A gente tem que botá sentido nas coisa, cumpadre. Todo mundo fala: quem desdenha qué comprá, e num havéra de sê verdade? Cê pensa que trem ruim acontece só com os outro? Taí, o Romão acha que é ladino e levô manta. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O Evelino levô ele no bico!

– Mudano de pato prá ganso, e aquela onça que andava dano em cima dos animar, cá na sua fazenda? Cêis pegô a bicha?

– Cumpadre, com essas lei nova, que o governo inventa, nóis ficô de pé e mão atada, nesse assunto de onça. Num pode matá mais. O que, que nóis feiz? Chamamo os técnico do IBAMA, ês contrataro uns caçadô e armô uma tocaia e pegáro a bicha. Daí, leváro pra ôtras banda, adonde tem mais mata virge. Foi um sussego! O governo fala que é covardia matá. Pimenta nos óios dos otros é refresco! Comigo não, violão! Se ês proíbe, ês tamém tem que dá jeito nas coisa, né?

– Tá certo, mas prôto lado, cumpadre, o governo tem razão. Onça tamém é criatura de Deus. E, há males que vem prá bem. Te deu trabaio, mas ocê é mais escrarecido e  tomô a medida certa, de chamá o IBAMA. Argum vizinho mais distemperado e ingnorante matava a bicha. No frigir dos óvo teve bão!

– Oiando prece lado, ocê inté que tem razão.

– É cumpadre, já passa das duas e eu inda vô vistorear a tiração de leite da vacada, da partida da tarde. Vô chega! Montá no alazão e apiá só em casa. Até logo!

– É cedo! Mais, num quereno contrariá o amigo… até mais! Doutra vêiz, vê se ocê aparece com a cumadre! As muié sente farta duma prosa de muié! Vai cum Deus!

– Se Deus topá, eu até aprecêio a companhia! Já tava co’a idéia de ir co’Ele memo! Fica co’Ele tamém! Inté!

Ploc, ploc, ploc, ploc, ploc ….

Um dedo de prosa - "Caipira picando fumo" de Almeida Junior
“Caipira picando fumo” de Almeida Junior

Minha homenagem ao caipira e, principalmente, ao homem do campo, responsáveis pelo alimento e o insumo de grande parte da produção industrial!

As mãos na terra provêm a vida!

Crônica Um dedo de prosa – Leia outras crônicas no blog – Crônicas

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